Um árbitro em posição legal!!!
Um árbitro em posição legal
Marcelo Luís da Silva, funcionário da FEA, foi integrante do quadro da Federação Paulista de FutebolMarcelo já se antecipa e acentua que, como em qualquer área, a prática acaba sendo bem diferente da teoria. Atento aos ensinamentos do juiz Silvio Cesar Talarico, o secretário de Graduação da Faculdade de Engenharia de Alimentos tornou-se formador de árbitros pela Liga Campineira de Futebol, ao término do curso, em 1995. “Foram mais de dez turmas”, recorda. Ao mesmo tempo, atuava na categoria de base, somando mais de mil jogos como árbitro ou árbitro assistente. Capivariano x Noroeste de Bauru, na divisão Sub15/Sub17, em 1999, foi a primeira partida da Federação Paulista onde Marcelo atuou. Hoje, sente-se realizado por pertencer ao “time” da FPF, participar de mais de 500 jogos em todas as categorias, desde a Sub 15 até os tensos, mas prazerosos clássicos paulistas.
Que tinha pelo futebol certo afeito, desde a infância, não duvidava, mas jogava por jogar, por brincadeira, chamava-lhe a atenção a atuação do juiz, que hoje, para ele, entre todos os personagens importantes em campo, é a figura que irá influenciar no resultado da partida, ou quiçá, do campeonato todo.
Nas décadas de 1970 e 1980, os “duelos” entre Guarani e Ponte Preta agitavam, assim como a toda a cidade, os moradores do Jardim São Vicente, bairro onde nasceu, e Marcelo não poderia ficar imune, nem mesmo aos clássicos na TV ou no rádio e tampouco às peladas entre amigos. Mas se escolheu o time nessa efervescência toda, se bobear não conta nem para si mesmo neste momento. Juiz não tem time. Para todos os efeitos. Se tinha, ficou na infância, lá nos campos de terra, e fora de campo.
Nem mesmo as camisas oferecidas por clubes ou jogadores após as partidas, autografadas, são exibidas por Marcelo. “Melhor não”, diz, enquanto sorri ao pensar no que já colecionou, mas não abre. Prefere zelar pela integridade com a declaração de que a situação do árbitro é delicada, pois, ao entrar em campo, vai lidar não somente com 22 jovens em busca de uma vitória, mas com a comoção de um estádio todo. E para exagerar: quase duas cidades entram em campo, presencialmente, virtualmente, ou pela TV.
Então, onde fica o Marcelo pai de uma filha de 4 anos, Giulia, casado com uma torcedora, filho, irmão, primo de outros tantos torcedores?
Lá na mesa do jantar, no churrasco de domingo. Em campo, entra somente o árbitro auxiliar da Federação Paulista, que há 14 anos podia até tremer diante de alguns ídolos, do estádio de seus sonhos, da torcida mais bonita, mais afinada, mas hoje é concentração, calma e o que não pode faltar: honestidade. Bola na rede altera o placar, jogador impedido, não. “Nos dérbis, minha família se reúne, bugrinos e pontepretanos de camisetas, em harmonia. Depois vão todos ao campo. Ninguém me questiona em nenhum momento. Nunca recebi cobrança na família antes ou depois de atuar.”
Dérbi campineiro
Marcelo foi o primeiro árbitro campineiro a atuar no duelo Guarani x Ponte Preta. O empate em 2 a 2 consagrou mais esta realização, em 5 de fevereiro de 2006, no estádio Moisés Lucarelli. “O dérbi é uma festa para a cidade de Campinas, envolve muitas pessoas, famílias. É uma pena que estejamos nos distanciando disso. É considerado um clássico no meio futebolístico”, sustenta.
Falta mal marcada reduz chances, cartão abala razão e emoção. Mas Marcelo, conhecedor e intérprete das regras do futebol, assinala: “O árbitro tem de provar o tempo todo que é honesto. Por isso tem de estar emocionalmente e psicologicamente equilibrado”. Os xingamentos são diversos e vêm de todos os segmentos. Todos querem julgar um lance duvidoso e, se não concordam com a marcação, disparam sua ira em forma de palavras. Para isso, há um especialista também para os árbitros. Em alguns espetáculos, segundo Marcelo, o psicólogo acompanha antes, durante e depois.
Pela dedicação e pelo compromisso em formar pessoas sérias em sua categoria, tornou-se um conhecedor pleno não somente das regras, mas de todo o ambiente da modalidade.
Fala com eloquência e sensatez sobre todo e qualquer aspecto que envolva o mundo do futebol. E, mais interessante, sem escusas para a possibilidade de erros por parte do “dono” do campo. “Juiz erra? Erra, mas tem de se empenhar em não cometer falhas.” Responsável, Marcelo prefere evitar erros, mas, se isso acontecer, prefere não recorrer à compensação, já que um erro pode atrair outro. E um clássico pode perder o brilho por conta de uma avalanche de erros, além das penalizações. “Não pode se arriscar a cometer uma sucessão de erros. Tem de assumir, caso seja chamado a isso e seguir sendo justo em outros lances”, opina.
A imaginação da torcida se agiganta em jogos das categorias nas quais se concentram atletas menores de idade, até porque o público é formado, em sua maioria, pelos pais. A interferência pode ser pior para a criança, segundo Marcelo, pois os pais projetam um retorno bem-sucedido ao nível de Pelé, mas é difícil saber quem chegará ao estrelato, se o garoto será um atleta de ponta ou mediano, se irá jogar no Barcelona, como sonha a maioria dos parentes. “Isso depende muito de oportunidade, de agradar ao técnico. Também depende, muitas vezes, de estar no lugar certo, na hora certa e com o empresário certo”, acentua.
Sonho maior
Mas como todo menino jogador, árbitros adultos também têm seu maior sonho, assume Marcelo: “Apitar um jogo na Copa do Mundo”. O que também não é para todos. Precisa conquistar a liga de sua cidade, a federação de seu estado e depois estar iluminado para ser observado por um representante da CBF e em seguida da Fifa. Ah, há a figura do observador (olheiro) também entre eles. Não vacila, que a chance diminui. Faz direitinho que tua chance aumenta. As notas aferidas levam de estagiário a assistente ou árbitro principal. Para chegar ao objetivo, leva anos. Mas Marcelo se diz realizado na FPF. “Para mim, é uma conquista”, declara, citando o amigo Antônio Rogério, também funcionário da Unicamp, que atua desde 1995 na FPF como árbitro principal.
A oportunidade de atuar ao lado de árbitros como José Henrique de Carvalho (ex-aspirante da Fifa) e Walter José do Reis (ex-Fifa), por exemplo, garante experiência e maturidade.
Nesses momentos, Marcelo procura aproveitar o máximo da companhia de seus parceiros, cujas longas conversas servem de ensinamento para tomadas de decisão. “As decisões são rápidas e eles sempre ensinaram a lidar com isso. O jogo está acontecendo e o árbitro tem de fazer julgamentos rápidos, sem tira-teima. Este vem depois, na avalanche de análises e críticas, dependendo da decisão”, assinala.
Marcelo prefere ver futebol sem violência para que a torcida possa voltar ao campo com suas bandeiras, pois elas deixam o estádio mais bonito, com cara de futebol. “Sem torcida, não tem festa.
O que precisa ter é política rígida e envolvimento da sociedade, como aconteceu na Inglaterra.
Quer exemplo melhor que o da Inglaterra? Hoje os rivais torcem juntos. Existe estádio sem alambrado”, exemplifica. Para ele, o que o Brasil precisa é separar o joio do trigo, mas sem torcida o espetáculo é incompleto.
Acreditando sempre
Para a sorte de Marcelo, as atividades do Campeonato Paulista acontecem aos finais de semana ou à noite em dias úteis, o que permite trabalhar na Unicamp sem abrir mão do apito. Ingressou na Universidade ainda jovem, aos 15 anos, em 1987, por um processo seletivo para mensageiros.
Começou na Assessoria de Imprensa, para substituir o jornalista, na época mensageiro, Hélio Costa Júnior, que se afastava para servir ao Exército.
Em seguida, o desejo de trabalhar na Universidade Aberta ao Público (UAP), hoje UPA, o levou ao Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), onde permaneceu até ser convidado para trabalhar na área de informática da Escola de Extensão (Extecamp), depois de concluir o curso técnico no Colégio Pio XII, em Campinas.
Ao graduar-se em administração, trabalhou no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) e hoje atua na Secretaria de Graduação da FEA. Mas não é só em campo que Marcelo prima pela legitimação de uma disputa. A seu modo, que a muitos parecia silencioso, sempre tentou conscientizar o cidadão a seu redor sobre a importância do voto e a posterior vigilância às práticas de candidatos eleitos para cargos públicos municipais, estaduais ou federais.
“É preciso escolher um representante e, se um dia descobrirmos que ele não nos representa, temos de ter uma postura crítica e também de autocrítica para continuarmos tentando melhorar nossa nação. Esperança é sonho. O dia que o homem perde seu sonho ele não tem mais nada. Temos de acreditar sempre”, alerta.
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