ASPECTOS PRÁTICOS DA PSICOLOGIA DA ARBITRAGEM DESPORTIVA
A atuação da Psicologia do Esporte tem sido construída ao longo do tempo, na complementariedade aos demais pilares da preparação do árbitro e tem superado desafios e construído caminhos, a partir de uma visão integradora do homem e do profissional.
Entendemos que o homem está diante de uma prática, que é seguida pela emoção do espetáculo, ligada por aspectos financeiros, poder, controle e prestígio da mídia e da sociedade como um todo.
Ser árbitro normalmente é a segunda atividade do indivíduo, uma vez que ele tem uma função ocupacional em outro trabalho que possa garantir sua sobrevivência.
O lado positivo de ser árbitro está na escolha que ele fez, no prazer em apitar, bandeirar.
Ao mesmo tempo, a função exige dele um ótimo preparo físico, técnico, psicológico, e social, e ainda cobra, que ele divida seu tempo entre trabalho, família, estudos, treinos, e está sujeito a pressões de vários segmentos (própria Federação, treinadores, jogadores, mídia, torcedores, clubes, entre outros).
Essa divisão de papéis requer do mesmo Homem diferentes olhares, posição, dedicação, o que leva a se cobrar-se cada vez mais, e essas excessivas cobranças pode levá-lo ao estresse, ansiedade, insegurança, medo em falhar, entre outros.
Tais comportamentos são compreensíveis diante de ameaças e pressões exageradas a qualquer ser humano, exceto ao juiz de futebol, afinal “ele é o único que não pode perder a cabeça”.
Entendemos assim, que a atuação da Psicologia do Esporte neste contexto é ambígua, pois ao mesmo tempo em que visa a promoção de saúde, a ampliação de percepção e consciência do sujeito, submete-o a exercícios e estratégias de neutralização de conteúdos emocionais a fim de mantê-lo sensível apenas à análise das situações de jogo sob a ótica do Livro de Regras.
Percebe-se no convívio com os profissionais da arbitragem que a pressão e o estresse são inerentes à atuação e que o desenvolvimento de resiliência é imprescindível a uma prática de alto nível e zeloso desempenho.
Neste sentido, a psicólogia, volta-se aos árbitros, oferecendo o apoio, o serviço de escuta, a possibilidade de dinamizar, fazer uma releitura dos jogos de forma significativa, a compreensão do tempo, a paciência que se leva para construção da prática de arbitrar pelo prazer dentro das respectivas regras, entre outros elementos essenciais para chegar mais próximo na busca pela Excelência, conforme estudos Orlick (2009).
Temos experimentado e vivenciado o cotidiano de formação, preparação e atualização dos profissionais da arbitragem de modo a identificar que a segurança e autoconfiança demonstradas em campo, são conquistadas passo a passo, desde a motivação inicial em mostrar o domínio e conhecimento de todas as Regras, até a sensibilidade da aplicação delas, com postura ética e disciplinar de autoridade, em cada situação específica.
O bom árbitro é aquele que consegue vivenciar presencialmente cada jogo como único, e como afirma Ginger (1995, pag 17) “o contato autêntico consigo mesmo e com os outros favorece um ajustamento criador do organismo ao meio”.
Sousa (2007) reafirma que a atuação voltada para o aqui-agora, para o momento exclusivo da partida de futebol, desligando-se de quaisquer questões antes ou depois da partida é essencial para a devida integração dos pilares de preparação em que a concentração e a manutenção do foco nos aspectos relevantes mostram-se fundamentais para as tomadas de decisão seguras e acertadas.
A prática da Psicologia do Esporte também tem nos mostrado necessidade em compreender e superar a fase das polêmicas dos jogos, pois existe um olhar algumas vezes equivocado, viciado pelo tempo por parte de vários segmentos da sociedade, quanto aos conhecimentos das técnicas e regras da Arbitragem de Futebol.
O árbitro está sujeito a críticas e insultos, quer sejam infundados ou não (Barros, 1990).
O acolhimento e a resignificação da prática e da relação homem-árbitro tem sido necessária como estratégia de controle emocional e aprimoramento de resiliência, visto que a atuação do árbitro, tal como a do atleta não se encerra em cada partida, uma vez que ela é reavaliada na próxima oportunidade e assim sucessivamente.
Com isso, pode-se verificar que as falas são direcionadas pela emoção, pela paixão, e algumas vezes, até pelo hábito de criticar o árbitro, ele sempre é alvo de contradições. Essas críticas esbarram fortemente na individualidade do Homem em questão, o que fortalece a necessidade deste Homem estar sempre trabalhando seu auto-suporte, antenado na busca pela confiança e segurança em seu ser e fazer, cada dia mais ressignificando o presente procurando integrar o que pode melhorar do passado, com as metas do futuro, e a mobilização de energia no presente, para decidir de forma certeira.
Outras tantas necessidades vão sendo desveladas ao longo do tempo e das circunstâncias de trabalho da psicologia, como possíveis conflitos entre a baixa freqüência de escala para apitar jogos e as dificuldades decorrentes de menor remuneração, bem como a queda na motivação para a manutenção do treinamento físico.
Ou seja, o árbitro deve estar sempre pronto para ser escalado em uma partida, mas nem sempre o será.
É como se fosse um atleta sempre no banco de reservas, pronto a entrar e que não deve frustrar-se se não for chamado.
Como lidar com esta dinâmica de expectativas e controle emocional?
Estas e tantas outras questões manifestam-se na rotina do árbitro, que simultaneamente colocam desafios emocionais e o preparam para as situações de pressão e necessidade de autocontrole no próprio jogo.
Ainda para exemplificar as demandas psicológicas da atuação do árbitro, ele deve sempre apresentar-se fisicamente apto às partidas e em caso de lesão ou doença, ele deverá pedir licença, com isso, ele é automaticamente retirado da escala, e/ou sorteio da semana.
Por tudo isto, evidenciamos que a força emocional e a capacidade intelectual de interpretação das situações, à luz do Livro de Regras, aliadas ao permanente exercício da ética compõem os alicerces da atuação do árbitro de futebol brasileiro.
Trata-se de uma atividade profissional que envolve paixão, controle, responsabilidade, autoridade e autonomia, revelando em cada um dos homens e mulheres algumas das mais altas qualidades psicológicas que o esporte é capaz de recrutar nos seres humanos quer sejam atletas ou árbitros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ANTUNES,P. Regras do Futebol . São Paulo: Cia Brasileira,1992
BARROS, J. M. A. Futebol porque foi...porque não é mais. Rio de Janeiro: Sprint, 1990.
GINGER,S.A. Uma terapia do contato, São Paulo: Summus, 1995
SOUSA; M.A.M. Gestalt-terapia e a arbitragem de futebol . In. Karina O.Fukumitsu; Hugo R.B.Oddone (org.). Expandindo Fronteiras. Campinas, S.Paulo. Editora Livro Pleno, 2007
MARKUNAS, M. Periodização da Preparação e do Treinamento Psicológico. In: Rubio, K. Psicologia do Esporte: teoria e prática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
NAZARENO, A. Fundamentos de arbitragem de futebol. Porto Alegre: Sulina,1997.
RUBIO, K. (org.) Encontros e desencontros: descobrindo a Psicologia do Esporte. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2000
ORLICK, T. Em busca da Excelência – Porto Alegre: Artmed, 2009
WEINBERG, R. S. & GOULD, D. Fundamentos da Psicologia do Esporte e do exercício. Porto Alegre: Artmed,2001.
ZINKER. J. A Busca da elegância em Psicoterapia. São Paulo: Summus, 2001
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