Assédio moral no futebol e o dever de indenizar
O futebol, quando profissional, deve obedecer às normas trabalhistas, em sua maioria estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e pela Constituição Federal – CF.
Em se tratando de uma atividade laboral desportiva, é a Lei Pelé que traz regras específicas.
Todavia, diferentemente do que se observa em outros países, como em Portugal, no Brasil o assédio moral, assunto que será abordado neste artigo, não está normatizado no ordenamento jurídico, estando apenas definido na jurisprudência e nas doutrinas.
Tal comportamento é conceituado, no sistema jurídico brasileiro, como toda e qualquer conduta abusiva (gestos, palavras, escritos, comportamentos, atitudes) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada, e é forçada a desistir do emprego.
Infelizmente, no mundo da bola, o assédio moral também é detectado.
Sabemos que nesse meio para um atleta tornar-se um profissional de sucesso tem que ralar muito, passar pelos mais variados obstáculos que, por muitas vezes, são os maus tratos praticados pelos treinadores e dirigentes de clubes.
As broncas descabidas e humilhantes, geralmente advindas dos treinadores, são exemplos de assédio moral praticados no futebol.
O que também ocorre é o afastamento dos atletas das atividades atinentes à sua profissão: dos treinamentos com bola e do preparo físico, de forma arbitrária e desmotivada.
Essas são “ferramentas” usadas pelos clubes a fim de coagir seus atletas com os objetivos de: forçá-los a renovar o contrato de trabalho; ou, forçá-los a rescindir o contrato de forma unilateral, já que não é mais do interesse da entidade de prática desportiva mantê-los na equipe.
A tentativa forçada de renovar o contrato ocorre em sua maioria com atletas de alto nível, pois os clubes, que não detém mais o passe dos jogadores, têm receio de que eles não queiram permanecer na equipe, o que, em muitos casos, é uma grande perda. Imagine o Real Madrid sem Cristiano Ronaldo ou o Barcelona sem Lionel Messi? Nestes casos a perda não se dá apenas dentro de campo, mas, também, perde-se na arrecadação com vendas de materiais esportivos e ingressos para os jogos.
Por outro lado, na hipótese da rescisão unilateral por parte do atleta, é de interesse do clube forçá-la, pois assim não terá que arcar com os custos da cláusula penal, advinda da rescisão imotivada, prevista no Art. 28 da Lei Pelé, nº 9615/98.
Privar um trabalhador de exercer sua atividade laboral é um verdadeiro absurdo, ainda mais quando se trata de atletas de alto rendimento. Faz parte da atividade profissional do jogador de futebol manter-se em constante prática de exercícios físicos e treinamento, sob o risco de perder qualidade técnica e condicionamento físico, ou seja, perder a condição para trabalhar.
Tais fatos relatam cabalmente afrontas a dois direitos: aos direitos da personalidade, pois notoriamente desrespeitam os valores assegurados à pessoa humana; e aos direitos inerentes ao atleta, previstos no Art. 34, II, da Lei Pelé, o qual assegura que é dever da entidade desportiva proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, nos treinos e em outras atividades preparatórias ou instrumentais.
Sendo assim, por mais que não exista norma específica que aplique sanções à prática do assédio moral, é possível, com a aplicação do Art. 5º, X da CF, exigir o pagamento de indenização por dano moral, por consequência da violação a valores assegurados à pessoa humana, previstos na própria Constituição Federal.
Outra alternativa é a rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo em vista o descumprimento deste por parte da entidade de prática desportiva. Neste caso, o atleta poderá pleitear, além do dano moral, o pagamento da cláusula penal e da verba rescisória.
Aos jogadores de futebol, e aos demais atletas, fica a orientação para atentarem às ocorrências dessas desagradáveis e desrespeitosas situações, pois caso ocorram, já sabem quais são seus direitos.
Por Lucas Queiroz Fernandes, advogado especialista em Direito Desportivo.
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